sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Ivan Neris por Escobar Franelas

Horas, minutos e segundos do segundo Sarau da Casa Amarela

Querido diário, eis-me aqui, sem saber o que falar. Dia 13, o dia em que se lembrava os 123 anos em que a princesa Isabel assinara o termo de retirada dos negros das senzalas, a Casa Amarela teve a segunda epifania poética na região do Pedroso, em São Miguel. E o gozo foi tanto, e tão intenso, que foge-me daqui a palavra certa. Em dúvida, vou escrevendo, na tentativa meio vã de explicar o prazer inexplicável.
Se na primeira edição do Sarau da Casa Amarela, no último primeiro de abril, a catarse coletiva teve como mestre de cerimônia o poeta Akira Yamasaki acompanhado do violão e da voz de Raberuan, dessa vez o violonista descerrou sozinho a cortina da espera, abrindo o espetáculo num atacadão de canções inspiradas.
Lembrando esses velhos e simpáticos crooners de formatura, o nosso Tião sabe tudo de microfone no palco e violão em som maior. Destila encanto com sua poesia veemente, a voz sem falsetes, o dedilhado certo. Certeiro, inoculou veneno nos sentidos de todos, em todos os sentidos, dando-nos de brinde um prazer intuitivo. Só depois, quando já estávamos devidamente siderados pela sua voz maviosa, é que chamou para si uma outra condição, a responsabilidade de condutor de orquestra. Convidou então uma horda de convivas para que abrilhantassem também a noite, e que servissem ao público poesias como aperitivos embriagantes. Poemas de cores várias, sabores diversos, texturas inéditas e cheiros inovadores, desfilaram para uma platéia pequena, mas ouvinte acurada.
Até que Ivan Néris, garçom-mór, brindasse-nos com sua poesia destilada no fogo excelso da paixão e da contemplação. O poeta (que também é ator, compositor e dramaturgo) é proprietário inconteste de textos diversos, carregados de lirismo, com um pé fincado no barroco e outro no mundo contemporâneo. Tem linguajar e traquejo clássico, respirando ares urbanos do século XXI.
A platéia, atrevida, dispôs-se a participar das iguarias com perguntas cheias de tempero. Questionamentos surgiram, curiosidades foram saciadas, o palco, dividido com novos e velhos parceiros. E a noite esgueirava-se linda, entre poemas inspirados, leituras envolventes e conversa maneira. Nada de papo-cabeça sub-reptício, o negócio ali era fruição, simples e exata.
Lá pelas tantas, de repente Akira levanta-se, pede desculpas para lembrar a todos que era hora de zarpar. Olho no relógio, onze e tralalá, quase madrugada. O gosto sinestésico do prazer de mais uma noite delirante ficou impregnado nas vestes, nas palavras, no trato e no tato, nos gestos de carinho entre todos que se despediam, trocavam telefones, e-mails e abraços. O show tinha acabado, mas A Casa Amarela não fechava. Só quando já era sábado que, vestidos de simancol, fomos saindo na direção do sono. Sonhos.
Sábado amanheci ressacado de saudades.

Escobar Franelas
 
 



 

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